"A história da palavra "trabalho" surpreende muita gente: ela é filha do latim tripalium, um instrumento de tortura. Isso mesmo, aquele que "enobrece e dignifica o homem" descende de um outro que foi concebido para função bem diferente: fazer sofrer terrivelmente, aviltar o homem. Chocante? Talvez, mas convém lembrar que a valorização moral do trabalho só chegou ao poder com a burguesia, muito depois de tripalium parir seu filho lusoparlante no século 13.
O trabalho nasceu traball, traballo, e cresceu ligado à idéia de sofrimento. Era, afinal, reservado a subalternos, de preferência escravos. Coisa de mouros, que "mourejavam". Esse sentido de tortura a palavra e a idéia de trabalho ainda conservam, embora de forma menos central. Não falamos em trabalho de parto? Em ralação?
Hoje é praticamente um consenso que a palavra "trabalho" vem daí, mas por muito tempo o pau comeu entre os sábios, que bolaram teorias para todos os gostos. Chegou-se a apelar para um verbo do gaélico, treab , "lavrar" – só faltou esclarecer como ele teria migrado da Irlanda ou da Escócia para a Península Ibérica.Não tenho provas do que vou dizer, mas desconfio que tanta resistência em reconhecer tripalium como pai de trabalho se explica menos por questões filológicas do que pela repulsa que a idéia de tortura associada a atividades geradoras de riqueza provoca numa sensibilidade moderna. Repulsa tão grande que, estabelecida a origem de "trabalho", muita gente tratou de amenizar a notícia, desconversar.
Silveira Bueno, que fornece uma descrição detalhada do tripalium ("instrumento feito de três paus aguçados, algumas vezes ainda munidos de pontas de ferro"), de repente tem vergonha dessa infâmia e acrescenta que a coisa não se prestava a estropiar gente e sim "o trigo, as espigas de milho, o linho, para rasgá-los, esfiapá-los". Antenor Nascentes fala num "aparelho destinado a sujeitar cavalos que não se queriam deixar ferrar" – o que é menos pudico, mas ainda brando perto da tortura de gente a que o trabalho, digo, o tripalium se prestava.
A coluna de hoje foi publicada em dezembro de 2004, nos primórdios d'A Palavra É..., e é reeditada agora em homenagem ao Primeiro de Maio. Boa folga a todos.
Fonte: no mínimo
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